Última carta

 É romanticamente trágico tudo que nos trouxe até aqui hoje. E mesmo que por um momento, quando eu me olho no espelho, não reconheço quem eu esperava ver. Mesmos olhos que a terra há de comer, mesmo nariz, agora com um pontinho brilhante do lado direito, mesmos ouvidos que escutam as mesmas músicas de sempre e por mais que não o veja, o mesmo coração que ainda espera o dia que tudo vai mudar e a dor da partição vai embora.

É tragicamente estranho imaginar tudo que nos trouxe até aqui. Amigos que não são tão próximos quanto costumavam ser, uma família que ainda é bagunçada mas agora nos sentamos à mesa para as conversas sérias e alguns amores na memória, muitas vezes eles nos assombram com eternos “e se?”, mesmo sabendo que algumas coisas não poderiam ter sido diferentes naquela noite.

Mas é estranhamente confortável quando percebemos que tudo que nos trouxe até aqui nos faz ser quem somos. Construímos histórias , mesmo que algumas delas não são muito legais de lembrar. Fizemos de algumas pessoas que um dia foram estranhos nosso novo lar. Lidamos com dores que imaginamos um dia nunca passar. Entendemos que o tempo cura quase tudo e que as vezes a cura é do deixar-se ir. Por fim encontramos com nós mesmos enfrente a um espelho, talvez crescemos mais do que pensávamos ser possível, mas agora sabemos que não somos tão perfeitos quanto nosso ego nos fazia pensar.


Jovens demais para crescer e velhos demais para mudar. A única coisa que somos agora são raizes que crescem dentro um do outro, vivemos outras histórias mas ainda temos um sorriso de canto quando lembramos da única coisa real que lembramos. Mesmo que não hoje, mas um dia eu vou reencontrar o amor que prometi viver com o cara que olhar para dentro de mim e amar como se fosse a última carta.

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